Haddad pôs o dedo na ferida
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O ministro Fernando Haddad tem enfrentado dificuldades e resistências dos grupos que, historicamente, dependuraram-se no Orçamento.
O combate a isenções desmedidas, aos gastos tributários e à elevada regressividade do sistema de impostos deve ser louvado. Ele não anula a importância de controlar gastos para restabelecer superávits sistemáticos nas contas públicas. Por outro lado, não pode ser ignorada a relevância das medidas tomadas, a duras penas, do lado das receitas.
O último pacote fiscal trouxe medidas para tributar títulos isentos, mas ainda mantendo vantagem relativa para esses títulos. Debêntures incentivadas de infraestrutura, LCA, LCI, CRI, CRA e outros continuarão a servir como instrumentos geradores de "funding" para o agronegócio e a construção civil. A diferença é que a alíquota zero está sendo substituída por 5%, bem abaixo dos 17,5% praticados nos demais produtos disponíveis.
No Brasil, sempre valeu a máxima: farinha pouca, meu pirão primeiro. Todos defendem a responsabilidade fiscal, a contenção de gastos, o corte de benefícios, o respeito ao dinheiro público, a eficiência etc.
Quando, no entanto, começa-se a promover uma agenda nessa direção, a gritaria dos setores afetados é tal, que o discurso supostamente fiscalista revela-se mera cartilha recomendada e prescrita aos outros. Afinal, o inferno está no outro.
O presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, foi uma das únicas figuras de relevo do empresariado a posicionar-se publicamente para apontar a importância de todos colocarem a mão na consciência e entenderem que será preciso um sacrifício coletivo.
Somente em gastos tributários, são R$ 544,5 bilhões, e isso sem contar os incentivos em âmbito subnacional. Dinheiro deixado na mesa. Não se avalia nem se promove qualquer alteração. Só se empilham, ano a ano, mais e mais benesses aos amigos do rei. Os benefícios meritórios misturam-se com os ruins e a geleia geral esconde os ineficientes no guarda-chuva dos demais.
Por seu turno, o Congresso perdeu a noção da realidade. Não só ameaça descumprir acordos feitos publicamente, após tentar dar um ultimato para o ministro da Fazenda, estabelecendo prazos, inclusive, como cria obstáculos para a agenda do ajuste fiscal. Foi assim na desoneração da folha, por exemplo, em que se espetou uma fatura de R$ 25 bilhões no Executivo sem mostrar quem pagaria a conta.
Expandiu suas emendas parlamentares e tornou-as obrigatórias, por meio de uma série de mudanças na Constituição. Carimbaram para sempre R$ 50 bilhões corrigidos permanentemente pela regra do atual limite de gastos. Nesta temática, o ministro Flávio Dino está escancarando o problema e colocando sob a luz do sol o modus operandi vigente.
Evidentemente, o discurso do Legislativo, de que seria contrário a aumentos de impostos e gostaria de ver uma agenda de corte de despesas, é pura retórica. Há um sem número de bons projetos em tramitação por lá. Tem para todos os gostos: reforma administrativa, limitação de supersalários, mudanças nas vinculações e indexações. Por que não escolhem os melhores, chamam o Executivo à mesa e botam para votar?
A reforma do Imposto de Renda, por sua vez, está parada nos escaninhos do Congresso. O governo atual propôs o aumento da faixa de isenção acompanhado da tributação mínima de 10% para os super ricos. Nada feito. As lideranças do Legislativo querem preservar as alíquotas efetivas de míseros 3% a 4% (às vezes, menos) hoje praticada no topo da pirâmide.
Claro, querem aprovar, sim, a isenção até R$ 5.000, mas não aceitam tornar o sistema mais justo, menos desigual; julgam que dinheiro nasce em árvore. Na verdade, sabem que suas estripulias redundarão em mais e mais dívida pública. E pouco se importam. Depois, usam da tribuna para bater nos juros altos. Essa hipocrisia é de um antirrepublicanismo impressionante.
O momento é grave e requer união de esforços dos que realmente se importam com a redução da desigualdade, com o equilíbrio das contas públicas e com a moralidade no uso dos recursos arrecadados da população. É preciso garantir a aprovação da MP do ajuste e promover a redução expressiva dos gastos tributários e a contenção do crescimento do gasto obrigatório.
Haddad pôs o dedo na ferida aberta do injusto sistema tributário. Está enfrentando a fúria dos donos de nacos inteiros do Orçamento, que querem manter seus privilégios intocados.
O Congresso ficará do lado de quem? Jovem que é, o presidente Hugo Mota pode fazer história, desde que opte pelo povo, não pelos apaniguados de sempre.
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