Batalha do IOF: Congresso ignora ajuste fiscal e só pensa nas eleições
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A essa altura do campeonato, já está bastante claro que as preocupações com a sustentabilidade fiscal do país passam bem longe do Congresso Nacional. A batalha em torno do recente pacote do governo sobre o IOF não vai além de um jogo de cena alimentado por um cálculo político, tendo em vista as eleições do ano que vem.
Desde o final de 2024, quando o tema do ajuste das contas públicas se tornou dominante nas páginas do noticiário, cansamos de ouvir parlamentares da oposição e gente graúda do mercado financeiro dizendo que o governo precisa "fazer o dever de casa" e "cortar na carne". Isso implicaria deixar de lado o aumento da carga tributária e adotar "medidas estruturantes" para enxugar despesas.
Poucos têm coragem de dizer isso em voz alta, mas a principal "medida estruturante" do menu exigido pela Faria Lima, e supostamente defendido pelos adversários de Lula, é permitir que aposentados ganhem menos de um salário mínimo por mês.
Agora, alguém em sã consciência acredita que, a um ano das eleições gerais, deputados e senadores tenham vontade de aprovar uma medida tão impopular como a redução do valor das aposentadorias e dos benefícios pagos pelos INSS? Lembrando que, das 40,6 milhões de pessoas contempladas pela folha de pagamentos do órgão federal, 28,2 milhões (70%) recebem um salário mínimo.
Por falar em Previdência, alguém ouviu algum pio no Congresso sobre a urgência de mexer no sistema de aposentadoria dos militares? Ao contrário de todos os outros mortais, os fardados param de trabalhar recebendo integralmente o último salário, não estão sujeitos a uma idade mínima para passar à chamada "reserva", e podem estender benefícios a familiares. Resultado: em 2024, o rombo foi de R$ 50 bilhões.
Mudando de assunto, mas nem tanto, o leitor se recorda de discursos inflamados de nossos representantes eleitos contra os supersalários da elite dos servidores públicos? Percebe-se alguma disposição real de colocar um ponto final aos escandalosos penduricalhos dos juízes e impedir remunerações de até R$ 500 mil em um único mês?
Os parlamentares tampouco gastam saliva com temas polêmicos, como os chamados "gastos tributários" — as isenções fiscais no mínimo questionáveis que, pelos cálculos do Ministério da Fazenda, chegam a um total de R$ 800 bilhões por ano.
Há ainda os eternos tabus, como o debate proibido sobre a urgência de tornar nosso sistema tributário mais progressivo, fazendo os mais ricos pagarem mais impostos. Nunca é demais lembrar do curioso caso do cidadão contribuinte que, em 2019, declarou à Receita Federal uma renda de R$ 1,4 bilhão, com R$ 1,3 bilhão isentos de tributos, sob a forma de lucros e dividendos.
Enquanto se abstém da aprovação de medidas verdadeiramente estruturantes para organizar as contas públicas, o Senado pode votar nesta terça (19) o projeto de lei já aprovado na Câmara que aumenta de 513 para 531 o número de deputados, inflando os gastos com o Poder Legislativo.
Já Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara do Deputado cada vez menos respeitado por seus próprios pares, tenta emplacar a possibilidade de parlamentares acumularem salários e aposentadorias, estourando o teto constitucional e aumentando as regalias dos colegas.
Por fim, não podemos perder de vista o cabo de guerra instalado entre os três poderes sobre as emendas parlamentares — aqueles R$ 50 bilhões que políticos querem mandar livremente para suas bases eleitorais, e sobre os quais resistem a conferir o mínimo de transparência.
Colar a pecha de "gastador" e "irresponsável" a um governo fraco e desorientado, sem base fiel em um Congresso amplamente conservador, sob todos os pontos de vista, é bastante conveniente para deputados e senadores interessados tão somente em lacrar nas redes sociais, de olho nas eleições de 2026.
Já trabalhar para corrigir injustiças, combater privilégios e reduzir ineficiências não parece mesmo estar na ordem do dia Legislativo. Desnecessário dizer quem são os perdedores desta típica novela brasileira.
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